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terça-feira, 8 de junho de 2010

Sonho de consumo pode virar um pesadelo no Natal

Especialistas alertam que compulsão por compras causa dependência como álcool e nicotina 



Rio - Dezembro: mês de festas, compras e, se não tomar cuidado, dívidas. Com o 13° no bolso, muitos consumidores perdem a noção do limite e começam o ano novo no vermelho. Especialistas alertam que, como o cigarro e a bebida, o ato de comprar também proporciona sensação de prazer e, por isso mesmo, pode causar dependência. Nas mãos de compradores compulsivos, o cartão de crédito e o cheque especial se transformam em ‘drogas’ tão poderosas quanto o álcool e a nicotina.
A psiquiatra Fátima Vasconcellos, da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, afirma que, quando o comprador compulsivo entra em uma loja, o seu cérebro libera mais dopamina que o normal. E é justamente essa substância que provoca a sensação de euforia e bem-estar. O problema é que a ação tem efeito passageiro e ela se esgota, muitas vezes, assim que o indivíduo põe os pés fora do shopping.
“As compras funcionam como um escapismo na vida do compulsivo. É como se elas servissem apenas para sublimar sentimentos negativos, como solidão, ansiedade ou baixa auto-estima. Muitos correm para o shopping quando estão deprimidos e, na maioria das vezes, saem de lá pior do que entraram. Afinal, quando o efeito narcotizante passa, eles se sentem tristes e envergonhados”, afirma a psiquiatra.
Os primeiros sintomas da ‘oneomania’ costumam surgir na adolescência, quando o futuro compulsivo começa a trabalhar e adquire independência financeira. No decorrer dos anos, eles passam a trocar as contas do mês por gastos supérfluos com roupas e CDs. É aí que surgem as primeiras dívidas. Sem ter como pagá-las, recorrem aos mais vis subterfúgios, como penhorar jóias da família, contrair dívidas com agiotas ou fazer empréstimos para cobrir outros empréstimos.
Segundo estimativas da Associação Americana de Psiquiatria, oito em cada dez vítimas de oneomania são mulheres. A mais famosa delas talvez seja a ex-primeira dama filipina, Imelda Marcos, que chegou à espantosa marca de três mil pares de sapato. A arquiteta Teresa Cristina (nome fictício) não chegou a tanto. Mas já contabilizou quase 50 em seu armário. Muitos deles, aliás, sequer cabiam no pé.
“Já fui tachada de sem-vergonha, mau-caráter e 171. O que as pessoas não sabem é que a oneomania é uma doença como outra qualquer. Já cheguei a ganhar R$ 1,3 mil por mês e a dever quase 10 vezes mais. Se não fosse o Devedores Anônimos, não sei o que teria sido da minha vida”, emociona-se Teresa, que teve sete cartões de crédito, 15 cheques devolvidos e o nome no Serasa.
Os Devedores Anônimos já existem em 18 países
Quando o sonho de consumo ameaça virar pesadelo, os compradores compulsivos podem recorrer ao atendimento médico na Santa Casa da Misericórdia, que inaugurou há menos de um mês um serviço especializado para os oneomaníacos.
Segundo Fátima Vasconcellos, o tratamento envolve sessões de psicoterapia e, dependendo do caso, remédios antidepressivos e estabilizadores de humor.
O Devedores Anônimos (DA) também costuma dar bons resultados. O grupo, fundado nos EUA em 1968, chegou ao Brasil em 1997. Hoje, há mais de 500 grupos em 18 países. Estima-se que 3% da população mundial sofra da doença.
No Rio, as sessões do DA acontecem aos sábados, de 9h às 12h, na Rua México, 90, 9° andar. Nas reuniões, os integrantes compartilham suas experiências, são aconselhados a anotar minuciosamente os seus gastos — até e principalmente os considerados irrisórios — e, principalmente, a cancelar cartões de crédito e talões de cheque. O aposentado José Augusto (nome fictício) é consumidor compulsivo há dez anos e integrante do DA há quatro. No auge da crise, chegou a receber a visita nada amigável de um agiota.
“O meu fraco sempre foram os CDs. Cheguei a ter mais de mil. Às vezes, comprava vários exemplares do mesmo título. Outras, nem tirava o CD do plástico. Comprava por comprar. A certa altura, devia R$ 35 mil. Minha mulher se viu obrigada a hipotecar um apartamento para quitar a dívida. Hoje em dia, ela ainda arregala os olhos quando chego em casa com algum CD”, confessa.
Para a psicóloga Ângela Duque, Natal e Réveillon são épocas especialmente perigosas para os compradores compulsivos. As ofertas de liquidação e as compras parceladas exercem uma sedução quase hipnótica. “Muitos não resistem ao apelo consumista e sofrem recaídas no fim do ano. O pior é que, ao contrário dos usuários de drogas, como álcool e nicotina, os compulsivos não podem simplesmente parar de comprar. Eles têm é que controlar melhor os seus gastos”, pondera.
UMA VIDA FINANCEIRA SAUDÁVEL
Um tratamento de choque. É isso o que verdadeiros ‘doutores das finanças’ sugerem para aqueles que sofrem os malefícios da oneomania. Para o autor do livro ‘Terapia Financeira’, Reinaldo Domingos, a primeira medida a ser tomada é equilibrar o orçamento mensal. Parece simples e realmente é. “Não se deve gastar mais do que se ganha. O ideal é gastar, no máximo, 80% do que se ganha”, afirma Reinaldo.
A coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro, Marcella Oliboni, garante que pedir empréstimo para pagar outro não resolve o problema do comprador compulsivo. “Nesta época do ano, é importante evitar compras a longo prazo. O melhor a fazer é comprar à vista. Ou parcelar o valor em pouquíssimas vezes se a compra for realmente necessária”, salienta.
Outra dica valiosa, ressalva Reinaldo Domingos, é aprender a racionalizar os gastos. Do condomínio e da energia elétrica ao cafezinho e à manicure. “É preciso identificar os gastos mensais, por menores que eles pareçam ser, para eventualmente corrigi-los. Se um fumante deixa de comprar um maço de cigarro, que custa R$ 2,75, e aplicar esse dinheiro na poupança, ele terá, ao fim de 30 anos, cerca de R$ 288 mil”, contabiliza.
Hoje recuperados da compulsão por compras, Teresa Cristina e José Augusto mostram que aprenderam a lição. “Não quero mais saber de cartão de crédito na minha vida. Hoje, se tenho dinheiro, eu compro. Se não tenho, deixo para quando tiver”, garante ele. Teresa Cristina mostra não ser tão radical: “Ainda tenho cartão de crédito para uma emergência. Mas já pedi várias vezes ao banco para reduzir o meu limite de crédito”.
Fonte: O dia Online.

Doença do consumo atinge 5%

Compulsivos são vítimas de mal classificado pela OMS. Para viciados em shopping e sites de vendas, importante é gastar

por Cristiane Campos e Luciene Braga

Rio - Você comprou alguma coisa que não havia planejado, não precisava, mas estava com um precinho ótimo, irresistível? E ainda fez uma prestação? Se nunca aconteceu, certamente deve conhecer alguém com esse perfil. Poucos sabem, mas há uma doença bem mais comum do que se pensa que caracteriza os compradores compulsivos e atinge 5% da população mundial: a “oniomania”, catalogada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

no Brasil, os doentes representam quase 10 milhões de consumidores. Shopping, sites de e-commerce e programas de vendas pela tevê são o paraíso dessas pessoas que não resistem a uma comprinha, a um cartão de crédito (ou vários), a uma prestação (ou várias) ou a um cheque (mesmo voador e até emprestado) para manter o hábito de comprar. O DIA publica teste para o leitor verificar se sofre desse mal.

DIFERENTE DA VIDA REAL

O
filmeDelírios de Consumo de Becky Bloom” mostra uma oniomaníaca com sérios problemas financeiros por conta da compra por impulso. A personagem vive cena hilária em que sofre antes de abrir o boleto do cartão de crédito, imaginando conta bem menor que a longa descrição de pequenosdeslizes” financeiros. Viciada em boas marcas e pechinchas, colecionou um galpão de produtos que nunca usou. No cinema, tudo acaba bem, com direito a virada, mas nem sempre é assim na vida real.

A
estudante Bruna Rodrigues, 23 anos, assume que compra mais do que planeja: “Passei mais de um ano em estágio. Ganhava bem, mas não guardei um real. Como tinha dinheiro, comprava. O pior é que estudava perto do shopping”. Ela agora decidiu economizar. “Tenho objetivo. Pretendo viajar e devo resistir aos desejos”, planeja. Há quanto tempo está cumprindo a meta? “Comecei este mês”, diz, com sorriso traidor, enquanto “namorava” vitrines.

Na
origem, dificuldade com limite

Professora e coordenadora do
Curso de Transtornos Alimentares da PUC-Rio, Dirce de Sá Freire afirma que a compra por impulso é a dificuldade de lidar com limites. “Para essas pessoas, não interessa o que compram, se precisam ou não. Interessa é o ato de consumir. É como o comer o que não se tem necessidade: engorda. O que é preciso comer não engorda ninguém”, compara a especialista.

Segundo ela, culturalmente, a mulher é apontada como mais compulsiva, mas homens também sofrem com o problema. “Sobra o lugar daquela que não precisa lidar com limites, atribuídos ao homem, que é quem paga as contas, conhece e provê as necessidades. Mas isso também mudou”, complementa Dirce.
Fonte: O Dia Online, 5 de junho de 2010.